Alfredo Kingo Oyama Homma, engenheiro agrônomo, doutor em Economia Rural, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental e professor visitante da Universidade do Estado do Pará (UEPA).
Introdução
A área desmatada constitui a Segunda Natureza e a floresta intocada a Primeira Natureza. O desafio seria como transformar uma parte da Segunda Natureza que representa 82 milhões de hectares ou 18% da Amazônia Legal, em uma Terceira Natureza, com atividades produtivas mais adequadas (HOMMA, 2022; VESENTINI, 1996).
Ressalta-se que a preocupação exclusivamente ambiental sobre a Amazônia tem colocado em segundo plano as necessidades prementes da população regional, como a de garantir segurança alimentar e a necessidade de gerar renda e emprego. Entre os Censos Demográficos de 1970 e 2022, a população da Amazônia Legal passou de 7,8 milhões para 27,8 milhões, sendo que Rondônia teve a população multiplicada por 13 vezes, Roraima por 15 vezes, Pará por 3,7 vezes, Amazonas, quadruplicada e Mato Grosso, sextuplicada.
As alternativas agrícolas passam, portanto, de como utilizar a Segunda Natureza, que equivale três vezes a superfície de São Paulo ou mais do que a soma dos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná ou, duas vezes a superfície do Japão ou da Alemanha, respectivamente, a terceira e a quarta economia do planeta.
A despeito dessa extensão, a participação da Amazônia Legal no PIB do país é de apenas 10,3% (2021), inferior à do Rio de Janeiro, não tem ainda o impacto que deveria ter para o desenvolvimento local. A despeito da exaltação da magnitude da biodiversidade amazônica e dos superlativos geográficos, a sobrevivência da população regional ainda vai depender da biodiversidade exótica como o rebanho bovino e bubalino e os cultivos como cafeeiro, dendezeiro, soja, milho, algodão, pimenta-do-reino, bananeira, coqueiro, laranjeira, entre os principais.
Enquanto não se concretizar um parque produtivo local com as plantas da biodiversidade amazônica, o risco da biopirataria vai estar sempre presente (HOMMA, 2018). Muitos conhecimentos ainda utilizados na região amazônica decorrem da herança indígena: o cultivo e o beneficiamento da mandioca, as fruteiras, as plantas aromáticas, medicinais, corantes, oleaginosas e tóxicas, as técnicas de caça e pesca, as canoas, etc. A designação indígena de plantas, peixes, animais, utensílios, edifícios, palácios, cidades, praças, aviões e nomes de pessoas, reforça a influência dessa contribuição.
Ao mesmo tempo, na Amazônia, foram construídas a quarta e a sexta maior hidrelétrica do mundo, pontes pênseis cruzam os rios Negro e Guamá, cabos de energia da altura da Torre Eiffel cruzam o rio Amazonas e ferrovias transportam minério de ferro a longa distância, demonstrando que não existem barreiras para grandes obras de engenharia.
As limitações tecnológicas da região são por demais conhecidas. Os cientistas estão motivados para promover esta mudança e ela é possível. A Embrapa, por exemplo, foi protagonista de três revoluções tecnológicas, como a produção de agroenergia, a viabilização da agricultura nos cerrados e a domesticação de plantas amazônicas (seringueira, guaraná, cupuaçu, castanha do pará, açaí, bacuri, etc.).
Em paralelo, a engenharia nacional domina a exploração de petróleo em alto-mar e a fabricação de aviões regionais, que são exemplos da capacidade nacional de promover uma revolução tecnológica na Amazônia, desenvolvendo uma agricultura tropical com sua flora e fauna (BECKER, 2010; HOMMA, 2021).
Na Amazônia Legal, 83% das propriedades são de pequenos produtores, dos quais metade, encontram em razoáveis condições de vida. O desafio está em encontrar oportunidades produtivas para a outra metade, representada pelos colonos assentados, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e populações tradicionais que apresentam baixo padrão de vida.
Quais são os caminhos?
O desafio está relacionado com as tecnologias agrícolas e ambientais, que precisam ser desenvolvidas nos próprios locais para integrar o conhecimento local com a capacidade tecnológica de nosso País. A falta dessa integração reflete-se na redução dos recursos naturais, na importação de alimentos e na geração de emprego e renda. As lavouras de juta e de pimenta-do-reino introduzidas pelos imigrantes japoneses, duas culturas exóticas com práticas de cultivo e de beneficiamento completamente estranhos, foram rapidamente incorporadas pelos pequenos produtores. Isto demonstra que os produtores da Amazônia não são avessos a inovações; desde que tenham mercado e sejam lucrativas, são rapidamente adotadas.
Essa mesma solução precisa ser encontrada para os problemas ambientais e agrícolas na Amazônia, com a criação de alternativas tecnológicas e econômicas em vez da criação de mercados difusos ou artificiais, como a venda de créditos de carbono. A população precisa de alimentos e matérias-primas com menor dano ambiental.
A Amazônia Legal concentra mais de 104 milhões de bovinos (44,51% do país), em 2022, sendo que Mato Grosso tem o maior rebanho estadual (14,61%), o Pará o segundo (10,57%) e Rondônia o sexto (7,55%). Em termos de rebanho bubalino, a Amazônia Legal concentra 75,25% do efetivo nacional, estimado em 1,598 milhão de reses, destacando-se os estados do Pará e do Amapá. Trata-se de uma pecuária (corte e leite) com grande heterogeneidade tecnológica, com rebanho de alto padrão visível nas Feiras e Exposições e, no outro extremo, uma pecuária leiteira dos pequenos produtores com até um litro de leite/vaca/dia.
Os Estados Unidos, com 40% do rebanho nacional (2022), produzem 1,25 vez mais carne que o Brasil. Na produção de carne bovina, os Estados Unidos e o Brasil ocupam, respectivamente, o primeiro e segundo lugar e a quarta e a primeira colocação, na exportação.
O aspecto positivo é que está ocorrendo aumento da produtividade, obtido com a recuperação de pastagens degradadas e do rebanho pelos produtores mais eficientes. Há cinco décadas, o consumo de aves era restrito a populações rurais e a doentes ou mulheres em resguardo nas áreas urbanas, passando depois como opção domingueira e tendo sua democratização a partir da década de 1980. O frango produzido em Santa Catarina atravessa mais da metade do País e é vendido nas cidades amazônicas mais barato do que o pescado e a carne bovina. Como temos a soja e o milho, devemos incentivar a criação de frangos e suínos na Amazônia, levando à autossuficiência regional.
Em termos mundiais, o Brasil é o maior exportador e segundo produtor de carne de aves, segundo produtor e maior exportador de carne bovina e quarto produtor e exportador de carne suína. A liderança mundial nas exportações de carne de frango, bovina e suína é obtida destinando-se 34,65% (2023), 28,52% (2022) e 23;86% (2023), respectivamente, da produção nacional.
O potencial da Bacia Amazônica, por exemplo, pode ser aproveitado para a criação de peixes, imitando o sucesso da produção de frangos que, em 2007, superou a produção de carne bovina e o País tornou-se o maior exportador desses dois produtos. A produção brasileira de pescado vem reduzindo a dependência da pesca extrativa (51,40%) e 48,60% (2023) proveniente de criatórios, enquanto em nível mundial está caminhando para um equilíbrio, com 51% para extrativa e 49% para criatórios (FAO, 2022).
Ressalte-se que, no País, a produção de pescado corresponde a apenas 12,35% da produção de carne de frango e 13,83% da carne bovina produzida em 2022. Rondônia, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Amazonas, Roraima e Tocantins fizeram avanços significativos na produção de pescado via criatórios. (ANUÁRIO 2023). Enquanto a pecuária de corte leva 2 a 3 anos para se conseguir 300 kg a 500 kg de boi vivo/ha, nessa mesma área em espelho d’água seria possível obter 10 t a 15 t de peixe/ ha/ano de forma comercial.
Para muitos produtos extrativos da Amazônia já existe um conflito entre a oferta e a demanda, como ocorre com a castanha-do-pará, o açaí, a borracha, o pau-rosa, o bacuri, o uxizeiro etc., para os quais é importante efetuar manejo e plantios, além de promover a verticalização.
Há muitas propostas visando à salvação da Floresta Amazônica e à geração de renda e empregos. Uma que teve repercussão internacional refere-se à criação das reservas extrativistas, que ganhou impacto, sobretudo depois do assassinato de Chico Mendes (1944-1988). O extrativismo é viável enquanto o mercado for pequeno, mas quando o mercado começa a crescer, os produtores são estimulados a efetuar plantações e, com isso, acontece o colapso dessa atividade.

Isto ocorreu com mais de 3 mil plantas cultivadas e centenas de animais no mundo. A primeira maçã que Adão e a Eva provaram no Paraíso foi uma maçã extrativa, mas ninguém hoje está caçando porcos ou galinhas, porque todas foram domesticadas.
Outra solução está relacionada com a implantação de sistemas agroflorestais (SAFs), que consiste na combinação de cultivos perenes, baseada na experiência dos imigrantes japoneses em Tomé-Açu (PA). Trata-se de um sistema adequado para ocupar as áreas degradadas e seu sucesso depende do mercado das plantas componentes, tais como cacaueiro, seringueira, castanheira-do-pará, cupuaçuzeiro, açaizeiro, árvores madeireiras, bacurizeiro, cumaruzeiro, uxizeiro etc.
Na Amazônia, encontram-se somente 9,2% da área reflorestada do País, com 873 mil hectares (2022) de eucalipto, pinus, paricá, acácia mangium, mogno brasileiro e africano, teca etc. Isto representa uma área reflorestada inferior à de Santa Catarina, São Paulo, Paraná ou Rio Grande do Sul. No Estado do Amapá, destacam-se os plantios de eucalipto da Jari (1967) e da AMCEL (1976) com 59 mil ha., Maranhão com 252 mil, Mato Grosso com 227 mil ha. e Pará com 199 mil ha. em 2022. Podemos dobrar essa área, garantindo a oferta de madeira e celulose, colapsada pela redução da madeira extrativa, reduzida a um quinto do seu auge, promover a verticalização do setor e a implantação da indústria moveleira.
Duas importantes plantas da Amazônia – a seringueira e o cacaueiro –, respectivamente, a segunda e terceira planta perene com maior área plantada no mundo, tornaram-se importantes cultivos nos novos locais. Mesmo no Brasil, plantas como seringueira, cacaueiro, guaranazeiro e pupunheira fizeram riqueza nos estados fora da Amazônia. O País importou 50,13% da borracha (2022), pagando mais de US$ 541 milhões, e 38,65% de óleo de dendê e 62,87% de óleo de palmiste, drenando US$ 728 milhões, 3,93% do cacau consumido, entre outros. A Bahia produziu 64,8% do guaraná (2022), São Paulo, Santa Catarina, Bahia, Paraná, Espirito Santo e Goiás concentram 94% (2022) da área de pupunheiras, entre outros.
A borracha extrativa representa apenas 0,25% do total de borracha produzida no País, a despeito do forte lobby ambiental. Somente em São Paulo, 69 municípios plantam seringueiras, cada um deles produzindo mais borracha extrativa que a região Norte. É necessário plantar açaizeiro, castanheira-do-pará, pau-rosa, bacurizeiro, entre dezenas de outras. O preço do açaí chegou a atingir R$ 50,00/litro (2024), constituindo uma indicação de que é necessário plantar pelo menos 50 mil hectares nas áreas apropriadas em SAFs ou em monocultivo.
Na Amazônia Legal, a cidade de Manaus e a Região Metropolitana de Belém superam 2 milhões de habitantes, São Luís tem mais de 1 milhão de habitantes, Cuiabá supera 650 mil habitantes, Porto Velho, Macapá e Boa Vista superam 413 mil habitantes e entre 266 a 400 mil habitantes, temos Rio Branco, Santarém, Palmas, Parauapebas e Marabá.
Para garantir o abastecimento da população urbana, uma parte das hortaliças é produzida nas áreas periurbanas, sobretudo as folhosas de uso regional (jambu, coentro, cheiro verde, chicória etc.) e outra parte, constituída de produtos hortícolas de consumo nacional, é importada do Sul e Sudeste do País. A comercialização de frutas e hortaliças na Ceasa-Pará, em Belém (2019-2022) indica que 81%, em termos de peso, são provenientes de outros estados, 18% do Pará e 1% do exterior. Precisamos reverter esta polarização em favor da região.
Em síntese, são estas algumas das proposições que podemos fazer para ter uma agricultura mais sustentável e deixando para o passado o neolítico processo da derruba e queima na região e a melhor forma de coibir o desmatamento ilegal na Amazônia.
Considerações finais
A Amazônia precisa aumentar a sua produtividade agrícola para reduzir a pressão sobre os recursos naturais, promover a domesticação de plantas potenciais e substituir importações (interna e externa) de produtos tropicais (borracha, dendê, café, cacau, açúcar, arroz, leite, aves, ovos, hortaliças etc.) e incentivar a recuperação de áreas que não deveriam ter sido desmatadas.
Os problemas ambientais na Amazônia não são independentes, mas conectados a outras partes do País e do mundo e sua solução vai depender da utilização parcial da Segunda Natureza e de um forte aparato de pesquisa científica e de extensão rural. Há a necessidade de se construir o futuro da Amazônia em um cenário sem desmatamento ilegal e queimadas, independente de pressões externas.
É premente a criação de alternativas tecnológicas e econômicas e sair do discurso abstrato da bioeconomia e da biodiversidade, nominando recursos da flora e da fauna, nos quais precisamos concentrar as ações. Não se podem menosprezar as atuais atividades produtivas em uma proposta de desenvolvimento agrícola mais sustentável para a região. Para o grande conjunto de pequenos produtores, as atividades mais intensivas de mão-de-obra constituem nichos de mercados, tais como hortas periurbanas, cultivos perenes (nativas e exóticas), criação de pequenos animais, piscicultura, pecuária leiteira, entre outras.
Esperamos que a realização da COP 30 seja um marco decisivo para a Amazônia, não como um torniquete para as atividades produtivas, mas demonstrando que é possível uma agricultura tropical mais sustentável para a região, a qual tem potencial real de resgatar mais de 11,3 milhões de brasileiros amazônidas da sua atual condição de pobreza.
Referências
ANUÁRIO 2023. Peixe BR da piscicultura. Associação Brasileira da Piscicultura, 2023.
BECKER, B. K., “Ciência, tecnologia e inovação: condição do desenvolvimento sustentável da Amazônia”. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO, 4., Brasília. [Anais…] Brasília: Ministério de Ciência e Tecnologia, 2010. p. 91-106. BEEF Report: 2023. Disponível em: https://www.abiec.com.br/wp-content/uploads/Final-Beef-Report- -2023-Completo-Versao-web.pdf. Acesso em 09 jun. 2024.
FAO. The State of World Fisheries and Aquaculture 2022. Towards Blue Transformation. Rome, FAO, 2022. https://doi.org/10.4060/cc0461en. Acesso em 09 jun. 2024.
HOMMA, A. K. O. (ed.). Sinergias de mudança da agricultura amazônica: conflitos e oportunidades. Brasília, DF: Embrapa, 2022. 487p.
HOMMA, A. K. O. Colhendo da natureza: o extrativismo vegetal na Amazonia. Brasília, DF: Embrapa, 2018.
HOMMA, A. K. O. (ed.). Notícias de ontem: comentários sobre a agricultura amazônica. Brasília: Embrapa, 2021. RELATÓRIO anual: 2024. Disponível em: https://abpa-br.org/wp-content/uploads/2024/04/ABPA-Relatorio-Anual-2024_capa_frango.pdf. Acesso em: 9 jun. 2024.
VESENTINI, J. W. Sociedade e espaço: geografia geral e do Brasil. São Paulo: Ática, 1996.
Artigo publicado na Revista Técnica do CEP / Clube de Engenharia do Pará – v. 2, n. 1, (outubro 2024). Belém, PA: 2024.