Da captação à captura: como a formação técnica virou vetor de submissão climática
Observatório para um Brasil soberano
Em junho de 2025, Brasil e França assinaram uma “Declaração de Intenções” para criar um Corredor Marítimo Verde entre os dois países. O texto, não vinculante, propõe metas ambientais comuns para o transporte marítimo, incentiva o uso de combustíveis “net-zero” (zero emissões de carbono) e prevê a formação de comitês binacionais com articulação entre universidades, agências reguladoras, portos e empresas. Tudo sob a bandeira da cooperação climática.
À primeira vista, um acordo técnico e nobre. Mas, nas entrelinhas, ele escancara uma engrenagem muito mais profunda: a doutrinação técnica como instrumento de captura geopolítica. E o Brasil, mais uma vez, entra como território de aplicação — não como centro formulador.
Entre os pontos centrais do acordo está a “capacitação técnica” de agentes públicos, operadores, técnicos e gestores. O objetivo declarado é difundir boas práticas. Mas o que se difunde, de fato, é um pacote fechado de diretrizes, metas e ferramentas regulatórias formatadas por instituições europeias — e aceitas sem filtro pela burocracia nacional.
Ao aderir a esse modelo, o Brasil abre mão de pensar com os próprios critérios. Nossas políticas de infraestrutura, energia e transporte passam a ser moldadas por operadores formados para cumprir padrões internacionais.
Não se trata de técnica neutra. Trata-se de formação orientada — com visão única e pressupostos intocáveis.
O resultado? Um Estado que se autolimita. Nossas agências adotam filtros ESG como dogma. Nossos portos aceitam regras de eficiência ambiental que excluem embarcações nacionais. E o país inteiro passa a operar sob a lógica da “adaptação”, mesmo quando essa adaptação compromete competitividade, segurança logística e independência operacional.
O mais simbólico: o Brasil entra no acordo como “parte voluntária”, mas quem coordena o comitê é o porto francês HAROPA. A assimetria é visível. A submissão, disfarçada de parceria. E a formação técnica, travestida de colaboração, vira canal de reengenharia institucional.
Capacitar, nesse contexto, não é transferir conhecimento. É moldar percepções. É alinhar o imaginário técnico a uma agenda externa, enquanto se cria a ilusão de progresso e modernização. A dependência passa a ser vista como excelência.
E tudo isso ocorre sem debate público, sem análise legislativa, sem qualquer senso de risco institucional. A classe política aplaude — sem perceber que está aceitando, em parcelas, a substituição da autonomia pela obediência.
O mais grave? Não são os critérios ambientais. É o fato de que, quando a ficha cair, talvez o Brasil já tenha perdido o comando — não apenas sobre suas rotas e seus portos, mas sobre a mente técnica de quem deveria defendê-los.
Imagem: Ricardo Stuckert e Observatório para o Brasil Soberano.