Amazônia: um novo paradigma
Desde a década de 1980, a Amazônia tem estado no centro de atenções e interesses mundiais, predominantemente, centrados na ideia da sua máxima preservação como um fator crucial para a sanidade do meio ambiente global e, em especial, a estabilidade do clima do planeta.
Esta visão, sustentada com doses “amazônicas” de sensacionalismos, exageros, imprecisões, equívocos, desinformações e hipóteses sem comprovação científica, tem sido acompanhada pela insidiosa sugestão de que os brasileiros temos sido negligentes com o que não poucos consideram como um “patrimônio natural da humanidade”.
O corolário, lamentavelmente compartilhado por numerosos brasileiros e refletido nas políticas governamentais implementadas desde então, é a aceitação acrítica de um paradigma que considera a região como um virtual “santuário” vedado às atividades produtivas modernas, principalmente, nas áreas de infraestrutura, mineração, indústria madeireira e agropecuária, intrinsecamente consideradas como fatores de “devastação” dos biomas amazônicos e ameaças aos seus povos indígenas.
Para os adeptos desse paradigma, inspirado por um equivocado conceito de sustentabilidade, apesar das suas vastas riquezas naturais e das condições dos seus habitantes para explorá-las adequadamente, a Amazônia deveria limitar-se a pouco mais que atividades extrativistas de baixa agregação de valores e à suposta panaceia dos “serviços ambientais”, baseados na preservação da vegetação original como contrapartida (ou “colateral”) para a atração de investimentos privados, notadamente, estrangeiros.
Mesmo a chamada bioeconomia – industrialização dos recursos biológicos -, por si só, não oferece a possibilidade de exploração plena dos seus vastos potenciais, na ausência de um arcabouço econômico diversificado, moderno e eficientemente integrado às demais regiões brasileiras.
Nesse contexto, convenientemente, costumam-se ignorar os requisitos do Código Florestal brasileiro, o mais rigoroso do mundo, o qual exige a preservação de 80% da vegetação original das propriedades privadas situadas em áreas de ocorrência do bioma Amazônia e 35% no Cerrado.
Ademais, essa concepção se fundamenta em um grande desconhecimento (ou desinformação) sobre a realidade da região, exemplificado pelo fato de que 86% do bioma Amazônia encontra-se intacto como no século XVI, quando teve início a colonização do Brasil. Trata-se de uma área maior que a Índia, o que converte o bioma em um dos mais preservados do mundo.
Um dos aspectos mais negativos dessa orientação é a forte influência de indivíduos, entidades e organizações não-governamentais (ONGs) de outras regiões do Brasil e do exterior, e até mesmo de governos estrangeiros, sobre a formulação de políticas e os processos decisórios que afetam diretamente as perspectivas de desenvolvimento de toda a Amazônia Legal.
Em consequência, atividades e empreendimentos de grande relevância, com frequência, antigas aspirações das populações regionais, têm sido obstaculizados por critérios decisórios alheios às realidades locais e aos interesses maiores do próprio País. Para limitar-nos apenas a alguns casos emblemáticos:
- a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, cujo projeto e construção foram ferrenhamente combatidos e sabotados por uma campanha de mais de duas décadas de ONGs ambientalistas/indigenistas brasileiras e estrangeiras;
- o prolongamento da rodovia BR-364 do Acre para o Peru;
- o asfaltamento do Trecho do Meio da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho);
- o derrocamento do Pedral do Lourenço, para permitir a utilização plena da hidrovia do rio Tocantins;
- a ferrovia EF-170 (Ferrogrão);
- a exploração de hidrocarbonetos na Margem Equatorial Brasileira;
- a exploração de potássio em Autazes (AM);
- a expansão da fronteira agrícola no Cerrado, parte da qual situada na Amazônia Legal.
Outro aspecto relevante é a seletividade do conceito de sustentabilidade que tem norteado as políticas para a Amazônia, o qual coloca uma proteção radical dos biomas acima dos necessários avanços socioeconômicos, fator bastante sensível na região com os menores valores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de todo o Brasil.
Por tudo isso, o Brasil precisa adotar com urgência um novo paradigma para o desenvolvimento da Amazônia, privilegiando o desenvolvimento socioeconômico e o pleno aproveitamento das potencialidades da região e transferindo aos amazônidas a ênfase do protagonismo sobre os seus destinos, como parte fundamental de um novo projeto nacional de desenvolvimento, outra exigência imediata do nosso País.
Esse novo paradigma deve contemplar uma ampla integração dos povos tradicionais e dos seus saberes, incluídos os indígenas, ao impulso de desenvolvimento nacional, respeitando-se as peculiaridades culturais de cada comunidade. No caso dos indígenas, por exemplo, não é possível se tratarem com políticas semelhantes povos interessados em desenvolver atividades produtivas em escala comercial, como os parecis de Mato Grosso, e os que preferem o isolamento, caso dos uru-eu-wau-wau de Rondônia. Os primeiros devem ser incentivados a se enquadrarem plenamente na cidadania; os segundos, protegidos e atendidos com a assistência necessária.
O novo paradigma não representa qualquer contradição entre desenvolvimento e proteção do meio ambiente e cuidados com os povos tradicionais, mas não admite que um conceito de sustentabilidade elaborado com finalidades políticas divergentes dos interesses nacionais possa ser instrumentalizado para criar obstáculos para atividades produtivas.
Tampouco, ele implica em negligência ou leniência com atividades ilegais que acarretem impactos ambientais, mas, em vez disto, propõe uma adequada proporcionalidade entre a aplicação da nossa rigorosa legislação ambiental e as atividades econômicas, que, com frequência, mal superam o limiar das necessidades de subsistência das populações locais.
Voz da Amazônia – aqui se fala abre espaços aos amazônidas que rejeitam o “santuarismo” e se compromete a apoiar a consolidação desse novo e imprescindível paradigma.