Por Geraldo Lino e Lorenzo Carrasco.
Em agosto, durante o Congresso Aço Brasil 2023, o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do conselho de administração da Gerdau, afirmou estar “extremamente preocupado” com o impacto das importações de aço da China sobre a siderurgia brasileira. Na ocasião, alertou sobre a necessidade de imposição de uma tarifa de importação de 25% sobre o aço chinês, para não provocar uma onda de perda de produção e demissões no setor.
No mesmo mês, a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) informou que o País se vê diante de uma alta de 50% na importação de produtos químicos, pedindo medidas para deter “emergencialmente o surto de importações predatórias”. Em outubro, o presidente da entidade, André Passo Cordeiro, advertiu na Câmara dos Deputados que o setor opera com uma capacidade ociosa de 35%, a maior das últimas décadas, necessitando de uma combinação de política industrial e de comércio exterior para a plena retomada da sua capacidade de produção.
Neste momento, o governo discute o pleito da indústria siderúrgica para a elevação da tarifa de importação, dos atuais 9,6% para 25%, como já fizeram, entre outros, o México, EUA e União Europeia (na prática, a tarifa real pode não passar de 4%, pois a maior parte entra por Santa Catarina, que oferece redução de ICMS às importações do produto).
Por sua vez, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) se opõe à medida, alegando – corretamente – que uma série de produtos, entre eles, bens de capital, equipamentos eletrônicos e imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida, sofreriam aumentos de custos. O presidente da Abimaq, José Velloso, argumenta: “Uma medida como essa, que protegeria a matéria-prima e não o bem transformado, traria mensagem contraditória ao objetivo de reindustrialização. Ela aumenta o custo do investimento no Brasil (Valor Econômico, 24/11/2023).”
A questão remete a um problema que transcende em muito a proverbial escolha de Sofia. Não se trata simplesmente de escolher os setores que serão beneficiados e os que serão prejudicados, mas de repensar em profundidade o modelo de desenvolvimento e o papel da indústria, que regride aceleradamente aos níveis de participação no PIB (Produto Interno Bruto) da Velha República, enquanto as lideranças nacionais assistem passivamente à desindustrialização e reprimarização de uma economia cada vez menos diversificada e complexa e com uma dimensão bem abaixo do seu potencial.
Essa é uma discussão histórica que o Brasil não consegue superar. De um lado, a visão acomodatícia de que o País deveria limitar-se a explorar as suas alegadas “vantagens comparativas” (anteriormente, “vocação natural”, referência à monocultura agrícola, em desfavor da indústria, considerada “artificial”). Do outro, a decisão política de desenvolver plenamente o seu vasto potencial de recursos humanos e naturais em um projeto nacional de progresso inclusivo e de longo alcance. Este último foi o caminho que, com altos e baixos, proporcionou o “meio século glorioso” entre 1930 e o início da década de 1980, no qual foi construída a base institucional e física de uma economia moderna e diversificada, que
conquistou seu lugar entre as maiores do mundo, mas tem perdido força e vitalidade, desde então. O retrocesso industrial é um sintoma evidente desse declínio.
A globalização financeira, à qual as lideranças nacionais aderiram a partir da década de 1990, de forma acrítica e oportunista, travou a bússola em favor da primeira opção. Período no qual tem sido comum ouvirem-se palavras de ordem do gênero “a-melhor-política-industrial-é-não-ter-política-industrial” e outras de idêntico jaez. Para os defensores da tese, a receita que convinha era “fazer o dever de casa” das políticas econômicas ditadas pelo “Consenso de Washington”, para atrair ao País os investimentos que
seriam o combustível do desenvolvimento. Com poucas variações, ela se mantém, agora condimentada com o tempero da “agenda verde” – transformação ecológica, transição energética, “floresta em pé”, ESG etc. –, na qual o atual governo parece estar apostando as fichas para o que chama “neoindustrialização” (aspas indispensáveis). O problema é que a nova aposta acorrenta as perspectivas nacionais aos chamados “serviços ambientais”, baseados na virtual conversão do território nacional em um gigantesco “sumidouro” de carbono, com vista ao combate às mudanças climáticas. Em outras palavras, assim como antes de 1930, outra “commodity”, de demanda artificial, instável e totalmente controlada externamente.
E o mais lamentável é presenciar um grande número de lideranças industriais aderindo sem grandes críticas a essa opção limitadora das potencialidades nacionais, em grande medida, restringindo-se a identificar nela as melhores oportunidades para os seus respectivos setores, em detrimento de uma visão de conjunto, não só para o setor, mas para toda a economia.
É em momentos como esse que o País se ressente da falta de homens do calibre de um Roberto Simonsen (1889-1948), o seu maior líder industrialista e um dos maiores promotores da ideia-força da capacidade brasileira de resolver os seus problemas, a qual considerava o seu maior ativo renovador. Engenheiro de formação, empreendedor (a palavra empresário não o define adequadamente), intelectual, educador e político, em todas estas atividades, empenhou a sua vasta cultura e capacidade criativa e organizadora, sempre combinando o interesse privado com a promoção do bem comum. Passados 75 anos da sua morte, ninguém o superou na promoção da indústria como vetor de desenvolvimento ao lado da agricultura, considerando imprescindível a diversificação econômica, rejeitada por grande parte das elites do seu tempo. Neste particular, foi decisivo para os rumos da industrialização o confronto
intelectual travado com Eugênio Gudin, o maior defensor da “vocação agrícola” e opositor da “indústria artificial” como opção para o Brasil.

Ainda jovem, à frente da Companhia Construtora de Santos, revolucionou a construção civil com a aplicação de novos métodos de planejamento e administrativos. Em 1923-24, por convite do dinâmico ministro da Guerra de Epitácio Pessoa, Pandiá Calógeras, construiu 59 quartéis para o Exército, em 36 cidades de nove estados, em uma época de comunicações precárias em que não havia uma única rodovia asfaltada no País. Em vários deles, as obras foram concluídas antes dos prazos e abaixo dos orçamentos estipulados. A empreitada proporcionou-lhe um contato direto com “o espetáculo doloroso de nossa pobreza e a necessidade de industrialização, como meio de combatê-la”, delineando a sua futura linha
mestra de atuação – em suas palavras, “o engrandecimento da nação pelo desenvolvimento industrial”.
Consciente da hegemonia dos defensores da tese da “vocação agrícola”, insistia em que o País necessitava de “um parque industrial eficiente, na altura do seu desenvolvimento agrícola”. Para tanto, não se melindrava em se propor a adoção de um planejamento econômico orientado pelo Estado e da proteção às indústrias nascentes, à maneira do que fizeram as nações que se anteciparam na industrialização.
Um pequeno exemplo do seu pensamento pode ser visto nesta passagem de “A Planificação da Economia Brasileira”: “A parte nuclear de um programa dessa natureza, visando a elevação da renda nacional a um nível suficiente para atender aos imperativos da nacionalidade, tem de ser constituída pela industrialização. Essa industrialização não se separa, porém, da intensificação e aperfeiçoamento da nossa produção agrícola, a que ela está visceralmente vinculada… Dependerá, ainda, essa industrialização, da intensificação e do aperfeiçoamento dos transportes e dos processos de distribuição e comércio… As maiores verbas da planificação seriam, sem dúvida, utilizadas na eletrificação do país, na mobilização de suas várias fontes de combustíveis e na organização dos seus equipamentos de transportes… Seriam criadas indústrias-chave, metalúrgicas e químicas, capazes de garantir uma relativa autossuficiência ao nosso parque industrial e à sua necessária sobrevivência na competição internacional… Uma série de medidas complementares deveriam igualmente ser adotadas, como criação de novas escolas de engenharia, do ensino técnico-profissional, vulgarização de institutos de pesquisas tecnológicas, organização de bancos especializados, imigração selecionada etc.”
Neste parágrafo, sintetizava a “receita” empregada pelas nações mais avançadas da época, seguidoras do que ficou conhecido como o Sistema Americano de Economia Nacional, orientação que proporcionou o extraordinário desenvolvimento econômico dos EUA após a independência da Grã-Bretanha. O próprio Simonsen, em um discurso sobre a economia brasileira na Câmara dos Deputados, em 1935, recordou alguns dos principais mentores do exemplo estadunidense: “Os Estados Unidos… após curto ensaio em livrecambismo, de 1783 a 1789, adotaram um regime profundamente protecionista. O fim visado era desenvolver as indústrias nacionais, proporcionando também à agricultura do país um grande mercado interno. Foi esse o sistema propugnado por Alexander Hamilton, precursor de Friedrich List, considerado por [Henry] Carey o [Jean-Baptiste] Colbert dos Estados Unidos… Os protecionistas, antes mesmo de Friedrich List… já haviam feito escola nos Estados Unidos e conseguiram a vitória definitiva desse regime. (…)”
Na época, como ainda hoje, os defensores do credo liberal consideravam como herética qualquer sugestão de protecionismo – que, evidentemente, não pode ser considerado como um fim em si mesmo, mas um recurso temporário que precisa ser necessariamente acompanhado por uma série de outras medidas para o fomento das atividades produtivas que um país considere como estratégicas – como entendido pelo próprio Simonsen e caso do atual dilema da indústria nacional.
Em 1928, Simonsen encabeçou a criação do Centro das Indústrias de São Paulo, que depois se tornaria a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). No início da década de 1930, se opôs ao governo de Getúlio Vargas, o que lhe custou tempo de prisão e exílio. De volta ao Brasil, em 1934, elegeu-se deputado à Assembleia Nacional Constituinte. No mesmo ano, criou em São Paulo a Escola Livre de Sociologia, como um centro de debates para apoiar a formação de uma elite dirigente sintonizada com os problemas do País, na qual encarregou-se da cadeira de História Econômica do Brasil. Em 1935, após a Intentona Comunista, iniciou uma aproximação com Vargas, à frente de um grupo de empresários paulistas. O plano de substituição de importações lançado pelo governo a partir de 1938, foi
grandemente inspirado nas teses pró-industriais de Simonsen e seu grupo.
Durante a II Guerra Mundial (1939-1945), foi um dos articuladores da participação empresarial na construção da usina siderúrgica de Volta Redonda.
Em 1945, travou o seu histórico duelo intelectual com Eugênio Gudin, defendendo o papel do Estado como indutor do desenvolvimento nacional e a necessidade de proteção da indústria nacional, contra as ideias retrógradas do oponente, para quem a agricultura era “a única atividade econômica para a qual demonstramos capacidade”.
Felizmente, para o Brasil, Simonsen saiu vitorioso naquele momento, tendo a ideia do Estado como promotor do desenvolvimento inspirado todos os governos das décadas de 1950 a 1970, independentemente das suas orientações políticas.
A formação de uma força de trabalho qualificada e a necessidade de atenção social a ela não escaparam à sua preocupação, tendo sido um dos idealizadores da criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e do Serviço Social da Indústria (SESI).
Em 1946, elegeu-se senador à Assembleia Constituinte e foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, uma das conquistas que mais o orgulhava. Foi na Academia, durante um discurso em 1948, que morreu de um ataque cardíaco fulminante.
A partir da década de 1990, o Brasil foi novamente capturado pelas ideias dos adversários de Roberto Simonsen, com a ideia-força de um projeto de desenvolvimento integrado sendo descartada em favor da conversão do País em um balcão de negócios “globalizado” dominado pela alta finança, que fez do serviço da dívida pública um investimento mais rentável do que qualquer atividade produtiva legal. Por isso, os dilemas da indústria nacional não podem ser adequadamente enfrentados e solucionados com soluções pontuais ou setoriais, mas, apenas, com a retomada de políticas de protecionismo orientado como as propostas por Simonsen, inseridas em um contexto de retomada do desenvolvimento das capacidades produtivas e aprimoramento da força de trabalho para os desafios das novas tecnologias, com uma ampla e eficiente sinergia entre o Estado e as forças dinâmicas da iniciativa privada.